Amigos,
Ando escrevendo algumas coisas em tópicos de comunidades aqui do Orkut. Tenho recebido palavras de estímulo. As pessoas dizem que emprego bem os vocábulos.
Espero que meus leitores tenham o mesmo prazer que eu tenho quando escuto uma pessoa falar bem. Ou escrever bem. Isto me faz lembrar de meu antigo professor de Literatura. Certa vez ele contou o seguinte.
Ele morava em Vitória (ES). Lá, ele foi assistir a uma palestra de Guimarães Rosa. O grande mestre das palavras disse, mais ou menos, o seguinte:
- As palavras são como notas musicais. Vou escrevendo e sentindo o "som" delas. Se alguma não forma um perfeito "acorde" no conjunto, vou trocando até achar uma que "soa" bem.
Cito como exemplo da atualidade, as poesias musicadas por Chico Buarque. O que se sente nelas é a sonoridade, a grandeza e a plenitude do universo.
Sonho com isso.

(Altair Malacarne. Escrever. 21/12/2006.)

4.11.08

Infância

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Molecada


Amigos,
A gente escolhia os meandros mais fundos pra pular e mergulhar. Quando ia passando algum caminhante, xingávamos um palavrão e nos escondíamos dentro d'água, debaixo de algum pé-de-ingá. O pé-de-ingá era usado também pra gente cagar em cima do córrego. Era a maior glória ver um monte de bosta deslizando lentamente sobre a água do São Domingos.
Num dia de domingo, estávamos açoitados. Quando ia passando um desconhecido, gritamos: "Vai tomar no cu..."
O tiro de garrucha ribombou no ar. Estávamos pelados. Pegamos os calções e sumimos na moita. Ninguém dava um pio. Alguns tiveram caganeira. Saímos na boquinha da noite, já com o escuro. Chegando em casa, papai quis saber onde eu estava, até aquela hora. Contei tudo. Mamãe ficou desesperada. No dia seguinte, papai procurou o sargento "Dudu", o sub-delegado. Eu soube depois que o cara perdeu a garrucha.
Que molecada...

(Altair Malacarne - 23/09/2008)



Enurese


No questionário a ser previamente respondido, antes que eu fosse admitido no seminário, havia uma pergunta que ficou sem resposta, pois na roça não tínhamos dicionário e nosso vocabulário era bem capiau:
- "O aspirante (sic) tem enurese noturna"?
Tive, tive demais. No seminário. U'a incontinência urinária que me dava vergonha. Eu sonhava que estava à vontade, com o "piru" cheio, e soltava aquele jato abundante de urina quentinha. Acordava todo molhado, com o pijama (usávamos) ensopado. No final, eu já não agüentava o fedor daquela roupa encardida.
O pior foi quando descobriram que eu mijava na cama. Fiquei tão envergonhado que arrumei um colega pra me acordar no meio da noite pra que eu descarregasse a bexiga. Não adiantou. Eu me mijava mesmo com pouca urina na bexiga. E o cheiro acre do mijo foi contaminando minhas outras roupas, passando da minha pele pra elas.
Depois de 2 anos sem ver meus pais, eu vim em casa. Aí, o incrível: em casa, eu era como antes. Não mijava na cama. Só me doía a consciência porque não podia ir na missa todo dia. Às vezes eu até chorava por isso.
Muitos anos depois, o psiquiatra me falou (me tratando de u'a depressão) que eu mijava na cama porque ia na missa todo dia. Mente doente, corpo doente.

(Altair Malacarne - 06/08/2008)



Foi o colostro?...


Aquele dia eu levantei cedinho, como sempre.
A escola ficava a uns 4 km, e a gente tinha que ir a pé, descalço. Algum irmão já tinha tirado o leite. Eu notei que ele estava mais gordo que de costume e tinha um gosto diferente. Mamãe me deu um pedaço de polenta com leite. Ingeri tudo com a fome da roça.
Na escola nova tinha privada, uma pros meninos e outra pras meninas. Da. Elvira botou uma pedra em cima da mesa; quem quisesse ir no quartinho, era só pegar quando ela estivesse lá. A coisa funcionava direitinho. Mulher fantástica.
Acontece que eu tinha uma vergonha danada. Acho que era porque eu nunca tinha entrado numa latrina. Na roça, a gente fazia as necessidades atrás da moita. De noite, era atrás do paiol. Mamãe falava "caçar berrume". E, de repente, a barriga começou as roncar; e a doer. Uma dor já conhecida, familiar. Ela foi crescendo. Eu soltava peido, mas não aliviava. Comecei a me contorcer. Veio um gosto estranho na boca. Teve uma hora que explodiu. Me caguei todo. Era merda mole com fartura. Os meninos vizinhos começaram a tapar o nariz.
Até que um falou:
-Professora, o 'Tair tá cagado.
Santa Elvira. Me pegou pela mão, me levou ao banheiro, mandou eu tomar banho (havia água de cacimba) e esperar. Daí a pouco, ela estava com uma calça curta na porta. Vesti, coloquei a minha suja de bosta pendurada num pedaço da pau e tomei o rumo de casa. Mamãe veio me receber com o carinho e o amor que só os filhotes e suas matrizes entendem.
No dia seguinte, o leite estava gostoso.

(Altair Malacarne - 09/08/2008)

(Textos postados por Isabel Goulart)

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