Amigos,
Ando escrevendo algumas coisas em tópicos de comunidades aqui do Orkut. Tenho recebido palavras de estímulo. As pessoas dizem que emprego bem os vocábulos.
Espero que meus leitores tenham o mesmo prazer que eu tenho quando escuto uma pessoa falar bem. Ou escrever bem. Isto me faz lembrar de meu antigo professor de Literatura. Certa vez ele contou o seguinte.
Ele morava em Vitória (ES). Lá, ele foi assistir a uma palestra de Guimarães Rosa. O grande mestre das palavras disse, mais ou menos, o seguinte:
- As palavras são como notas musicais. Vou escrevendo e sentindo o "som" delas. Se alguma não forma um perfeito "acorde" no conjunto, vou trocando até achar uma que "soa" bem.
Cito como exemplo da atualidade, as poesias musicadas por Chico Buarque. O que se sente nelas é a sonoridade, a grandeza e a plenitude do universo.
Sonho com isso.

(Altair Malacarne. Escrever. 21/12/2006.)

21.11.08

A BUNDA

MOTO-PERPÉTUO
O ser começa num parque alacre,s
e renova numa bunda rotunda;
a bundinha é vizinha.

A bunda é o rosto escondido,
que se mostra a um escolhido;
prazer e dor são filhinhos do amor.


(Altair Malacarne - 03/02/2007)


(Texto postado por Isabel Goulart)
HELENA

AMIGOS,
Eu tinha 12 anos.
Ela, um pouco menos.
Ela chegou nu'a mudança de família que vinha para trabalharem na meia de café na propriedade de meu pai. Foram morar numa casinha humilde na beira do córrego São Domingos. Eram 2 rapazes e três moças.
Helena logo me chamou a atenção. Tinha umas pernas roliças e uma bunda saliente, sorria bonito. Era reservada. Era diferente. Meu coração havia despertado para as fêmeas, PARA AS COISAS DO AMOR. AGORA EU VIA OS PASSARINHAS VOAREM. Minha mãe logo notou meu interesse. Eu falava nela direto. Helena era meu assunto preferido. Minha residência ficava pertinho. E, para melhorar, tinha u'a irmã dela, mais velha, que era doida pra namorar meu irmão Primo. Eu era o 'pombo-correio'. Ela falava assim:
"PRIMO PARENTE, VOCÊ CUNHADO DA GENTE".
Éramos segundos primos; o que não impedia meus arroubos afetivos para com a Helena.
Em 1953, eu fui pro seminário. Só vim em casa depois de 2 anos. Meus pais já moravam em Conceição da Barra, a uns 200 km de distância. Quando cheguei, minha mãe tinha ganhado u'a menina. O velho Chico era bom na "pontaria". Perguntei se a criança já tinha nome. E fui logo dizendo que o nome dela podia ser Helena.
Assim foi. Minha irmã Helena está hoje com 54 anos.
Nunca mais soube da Helena Bergamin. Até o dia que estava dando aula na FAFIC/COLATINA e me aparece na sala de aula uma filha da Helena chamada Telma, nome da minha mulher há 40 anos. Parei no tempo. Incrível!
Como dizia meu pai:" É A SINA".


(Altair Malacarne - 21/09/2008)

(Texto postado por Isabel Goulart)
CHUVA

AMIGOS,
A volta dela me trouxe alguma lembrança antiga.
Morávamos na barra do córrego da Mula, onde hoje é o 1° cruzamento no asfalto que vem de São Domingos para São Gabriel da Palha. As chuvas fortes de fim de ano tinham chegado com força. Para quem, como nós, está acostumado a esperar e torcer por uma chuvinha, aquilo era quase um milagre. Como agora, estava chovendo havia 5 dias seguidos. Isto acontece quando sobre nós acontece u’a zona de convergência de 2 frentes frias, uma vinda do pólo sul, outra dos Andes. Foi o que causou o "dilúvio" de 1979 em Colatina.
Ninguém saía de casa, não dava pra trabalhar na roça. Papai ficava afiando as ferramentas no rebolo embaixo da casa. Meus irmãos transitavam despreocupados dentro de casa, fazendo alguma molecagem. A cobertura da casa era feita com tabuinhas de ipê, o que gerava um barulhinho acolhedor e entorpecente na caída dos pingos, não raro em forma de temporal.
O córrego da Mula estava cheio. As águas já se espalhavam pela pequena vargem; elas quase já cobriam a pequena pedra onde mamãe lavava as roupas encardidas de nós todos. E a chuva não parava. O nosso gadinho já havia comido todo o capim da margem direita do córrego. As águas impediam que eles passassem pro outro lado. Hoje eu diria que nem parecia que estávamos situados na área do polígono da seca nordestino.
De repente, um bezerro mais afoito entrou na correnteza e tentou atravessar a barreira. Me lembro quando ele perdeu a sustentação e começou a descer boiando. A sorte é que tinha uma cerca velha na beira do São Domingos e ele ficou agarrado ali. Berrava sem parar. Quando viu aquilo, papai chamou a turma e foram retirar o temerário.
Aquela imagem do esforço e da coragem para salvar um desesperado se afogando nas águas da chuva, decorridos 60 anos, até hoje está fixa em minha cabeça.

Abraços


(Altair Malacarne - 15/11/2008)


(Texto postado por Isabel Goulart)
A PRIMEIRA MENINA

Amigos,
Ela era uma colega de escola. Tenho vagas lembranças.
Um dia a beleza dela me chamou 'atenção. Olhei diferente. Vi uma coisa que nunca tinha visto, a feminilidade. Um brilho especial; uma luz nova sobre a terra. O ar se perfumou. O vento soprou. Um caminho se abriu. A mente despertou. Com doze anos, passei a sonhar felicidade. Tomei consciência de que a vida completa é bi; que eu estava só sem par. O capim cheirou. A cana ficou mais doce. A farinha de mandioca tomou gosto. A mata balançou. A aguá do córrego sábia me chamou pr'um banho. Tudo era azul, verde, dourado. O coração acelerou dentro de meu peito. A vida abriu a cortina da plenitude. Perdi o sossego. Ganhei novo sossego.
Eu olhava pra ela todos os dias. Eram momentos infinitos.
Um dia, depois da aula, como de costume, eu fui levar o café pro papai e meus irmãos. Eles estavam fazendo farinha de mandioca lá, num quitungo. Ela apareceu lá. As mulheres têm atitudes que só elas entendem. Nunca tinha falado nada com ela. Fiquei atônito, paralisado.
Se já era acanhado, quedei intimidado. Agora só conseguia 'ver' suas belezas íntimas, aquelas que elas só mostram para os escolhidos. Que podem ser escondidas facilmente, para despertar curiosidade. Me sentia culpado e com vergonha por ter aquela curiosidade, aqueles pensamentos. Mal sabia que carregaria aqueles sentimentos pro resto da vida. Que era apenas um fato inerente à minha condição humana.
Passei o resto do dia entre a realidade e o sonho.
(Altair Malacarne - 17/08/2008)

(Texto postado por Isabel Goulart)

20.11.08

Altair em versos...


21 DE SETEMBRO

Um cheiro, um perfume,
O passarinho já botou;
O verde cobriu o sépia,
Tudo se renovou.

Todo ano acontece,
O milagre da primavera;
É como se fosse novo,
Chuvinha que tempera.

Os anos passam e não se vê,
Tanta beleza se fazer;
A vida se renova,
No constante acontecer.

A primavera é a certeza,
Que a vida dura eterna;
O tempo passa e volta,
Enquanto brilha sempiterna.

E tudo sucede por amor,
Nos damos este sentimento;
Sublime gesto de boa vontade,
Neste rápido acampamento.


(Altair Malacarne - 21/09/2007)
ANIVERSÁRIO

AMIGOS,


Numa véspera de São João,
De hum mil e novecentos,
E trinta e nove, de noite,
Na fogueira pulavam contentos.

O mistério da vida,
Neste dia aconteceu;
Do nada a luz se fez,
No universo me vi eu.

Minha mãe deu um sorriso,
Diante daquele sucesso;
Desde sempre a terra recebeu,
Outra dádiva do universo.

Depois de longa jornada,
Longe daquele ninho de amor;
No meio de outros iguais,
Eu sinto o mesmo calor.

Ainda mais com suas lembranças,
Aniversariar neste orkut é muito bom;
Sinto-me de novo em outra festança,
Agradeço-lhes do fundo de meu coração.


(Altair Malacarne - 24/06/2007)

(Textos postados por Isabel Goulart)

4.11.08

Hoje é dia de brote

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Amigos,
São Gabriel da Palha tem um tesouro quase escondido. Ele aparece bem humilde toda sexta-feira. Em algumas bancas da nossa feirinha semanal. É o nosso amado brote. O homem primitivo era um caçador-coletor. A mulher ficava em casa cuidando da prole. Ela via, muitas vezes, as crianças dormirem com fome. Nem sempre o macho trazia o de comer. Aí, ela viu que poderia plantar alimentos. Com seu amor feminino, ela conseguiu fazer a terra produzir. Inventou, assim, a agricultura. Os nossos índios até hoje têm nas mulheres a garantia do sustento da casa. São elas que plantam e colhem.
Muitos anos depois, os pomeranos vieram colonizar as terras do Espírito Santo. Logo descobriram que aqui não poderia haver trigo. O fubá era o nosso trigo. Com ele se faz a broa, que não é tão boa. Não apetece.
Entra em cena novamente o engenho feminino. As mulheres acrescentam gorduras, vegetais e frutas à mistura. Levam ao forno. Passa um tempo.
Milagre. O pessoal cheirou. Huuummm. Estava criado o brote. O pão da colônia. Todos tomaram um lauto café da manhã.

Obrigado à Mente criadora.

Abraços.


(Altair Malacarne - 17/02/2008)

(Texto postado por Isabel Goulart)

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Infância

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Molecada


Amigos,
A gente escolhia os meandros mais fundos pra pular e mergulhar. Quando ia passando algum caminhante, xingávamos um palavrão e nos escondíamos dentro d'água, debaixo de algum pé-de-ingá. O pé-de-ingá era usado também pra gente cagar em cima do córrego. Era a maior glória ver um monte de bosta deslizando lentamente sobre a água do São Domingos.
Num dia de domingo, estávamos açoitados. Quando ia passando um desconhecido, gritamos: "Vai tomar no cu..."
O tiro de garrucha ribombou no ar. Estávamos pelados. Pegamos os calções e sumimos na moita. Ninguém dava um pio. Alguns tiveram caganeira. Saímos na boquinha da noite, já com o escuro. Chegando em casa, papai quis saber onde eu estava, até aquela hora. Contei tudo. Mamãe ficou desesperada. No dia seguinte, papai procurou o sargento "Dudu", o sub-delegado. Eu soube depois que o cara perdeu a garrucha.
Que molecada...

(Altair Malacarne - 23/09/2008)



Enurese


No questionário a ser previamente respondido, antes que eu fosse admitido no seminário, havia uma pergunta que ficou sem resposta, pois na roça não tínhamos dicionário e nosso vocabulário era bem capiau:
- "O aspirante (sic) tem enurese noturna"?
Tive, tive demais. No seminário. U'a incontinência urinária que me dava vergonha. Eu sonhava que estava à vontade, com o "piru" cheio, e soltava aquele jato abundante de urina quentinha. Acordava todo molhado, com o pijama (usávamos) ensopado. No final, eu já não agüentava o fedor daquela roupa encardida.
O pior foi quando descobriram que eu mijava na cama. Fiquei tão envergonhado que arrumei um colega pra me acordar no meio da noite pra que eu descarregasse a bexiga. Não adiantou. Eu me mijava mesmo com pouca urina na bexiga. E o cheiro acre do mijo foi contaminando minhas outras roupas, passando da minha pele pra elas.
Depois de 2 anos sem ver meus pais, eu vim em casa. Aí, o incrível: em casa, eu era como antes. Não mijava na cama. Só me doía a consciência porque não podia ir na missa todo dia. Às vezes eu até chorava por isso.
Muitos anos depois, o psiquiatra me falou (me tratando de u'a depressão) que eu mijava na cama porque ia na missa todo dia. Mente doente, corpo doente.

(Altair Malacarne - 06/08/2008)



Foi o colostro?...


Aquele dia eu levantei cedinho, como sempre.
A escola ficava a uns 4 km, e a gente tinha que ir a pé, descalço. Algum irmão já tinha tirado o leite. Eu notei que ele estava mais gordo que de costume e tinha um gosto diferente. Mamãe me deu um pedaço de polenta com leite. Ingeri tudo com a fome da roça.
Na escola nova tinha privada, uma pros meninos e outra pras meninas. Da. Elvira botou uma pedra em cima da mesa; quem quisesse ir no quartinho, era só pegar quando ela estivesse lá. A coisa funcionava direitinho. Mulher fantástica.
Acontece que eu tinha uma vergonha danada. Acho que era porque eu nunca tinha entrado numa latrina. Na roça, a gente fazia as necessidades atrás da moita. De noite, era atrás do paiol. Mamãe falava "caçar berrume". E, de repente, a barriga começou as roncar; e a doer. Uma dor já conhecida, familiar. Ela foi crescendo. Eu soltava peido, mas não aliviava. Comecei a me contorcer. Veio um gosto estranho na boca. Teve uma hora que explodiu. Me caguei todo. Era merda mole com fartura. Os meninos vizinhos começaram a tapar o nariz.
Até que um falou:
-Professora, o 'Tair tá cagado.
Santa Elvira. Me pegou pela mão, me levou ao banheiro, mandou eu tomar banho (havia água de cacimba) e esperar. Daí a pouco, ela estava com uma calça curta na porta. Vesti, coloquei a minha suja de bosta pendurada num pedaço da pau e tomei o rumo de casa. Mamãe veio me receber com o carinho e o amor que só os filhotes e suas matrizes entendem.
No dia seguinte, o leite estava gostoso.

(Altair Malacarne - 09/08/2008)

(Textos postados por Isabel Goulart)

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Sexo

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No universo existe o masculino e o feminino. Nem sempre essa dicotomia se apresenta com características convencionais entre mente e corpo, entre gametas. Nem por isso deixa de haver a masculinidade e a feminilidade. Esta dualidade garante a perpetuação das espécies. Muitos seres são a exceção que prova a regra. Algumas re+ligiões viram na eliminação das exceções uma forma re+estabelecer um possível acordo antigo com o seu deus. Surgiu a discriminação. Até os dias atuais alguém quer provar que Deus não pode e não deve ter cometido um possível equívoco na criação/evolução.
Segundo Jostein Gardner, somos poeira cósmica. Segundo o apóstolo Paulo, somos barro ruim. Eu digo modestamente que podemos rir disso tudo, embora saibamos que somos mortais. Temos, outrossim, uma linguagem articulada. Só nós.

(Altair Malacarne - 26/11/2001)

(Texto postado por Isabel Goulart)

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2.11.08

Da língua e da gramática

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Bagno


Amigos,
Atualmente é muito divulgada a obra de Marcos Bagno em favor de uma codificação gramatical normativa segundo os padrões brasileiros. Principalmente que se levem em conta os diversos registros existentes no mosaico nacional. O povo brasileiro tem o direito de entronizar sua linguagem nos mais elevados patamares que garantem nossa nacionalidade.
Evidentemente temos um patrimônio cultural a preservar. Em 1822, ele não nos custou nada mas gravou para sempre nossa identidade perante o mundo. É uma questão de honra e amor-próprio conservar essa marca indelével que nos deixou o colonizador. A Portugal devemos, além da enorme "fazenda" conquistada, nossa certidão de registro de nascimento.

Certa vez eu estava conversando com um amigo que havia feito um passeio pela Europa.
-Como se fala bem o Português em Portugal. Colocam os pronomes átonos com perfeição. Até as prostitutas...
Hoje sei que nunca conseguiremos igualá-los. Não adianta a escola insistir. O povo fala diferente. Até os 13 anos, eu falava e escrevia normalmente: "Pega ela". No antigo ginásio riram de mim. Comecei a "estudar Português". Eu não sabia. Minha mãe me tinha ensinado errado. Ali começou o meu calvário.

São passados 55 anos. Tornei-me professor de Português e bancário. Durante longos anos, fui um lutador pela causa da boa expressão. Li autores portugueses e brasileiros da melhor qualidade. Exerci o magistério com paixão, nos 3 níveis da escolaridade. Travei conhecimento com grandes professores que me expuseram com clareza o cenário brasileiro e me explicaram o drama que eu vivia e vivo. Ao final do tirocínio, rendi-me ao sistema fundamentalista. Errava sabendo e querendo.
Hoje ouço vozes que clamam pela autenticidade. Elas vêm de longe. Apenas para informar aos mais novos, me permito aqui falar de dois nomes que estiveram desse lado. Conheci-os no meio do caminho. O que eles disseram e o triste panorama da língua escrita no Brasil, me dão a certeza de assumir uma posição incômoda.

Na faculdade ouvi falar de Mattoso Câmara. Embora considerado hermético por alguns, sempre senti firmeza e propriedade em suas linhas. Minha admiração cresceu quando li em sua Estrutura da língua portuguesa a orientação para que se desse, no ensino do Vernáculo, grande valorização à fala que o aluno já traz pronta de casa. Por ali tive certeza de que a expressão escrita não pode ser um corpo estranho no ambiente escolar.
Esta avaliação tomou nova firmeza quando me encontrei com Celso Pedro Luft em Brasília. Luft, no livrinho Língua e liberdade, expõe argumentos definitivos a favor da soberania da gramática da fala. Ali se vê que o padrão dito culto pode ser o popular, sem prejuízo para uma variedade burocrática. O conhecimento da metaliguagem gramatical prescritiva não leva ipso facto ao bom desempenho factual do código. Antes, é imitando quem faz bem que fazemos bem. A leitura dos bons escritos levará à boa técnica. Como na arte musical, é "ouvindo" que se gosta e que se pode tentar fazer semelhante.
Que acham?

(Altair Malacarne - 23/11/06)



Mattoso Câmara

Amigos,
Mattoso Câmara, no Estrutura da língua portuguesa, diz que u’a norma gramatical, “para não ser caprichosa e contraproducente”, deve basear-se em 3 pilares:
1. Corresponder às lições da gramática descritiva.
2. Conhecer as causas profundas que levam à sua inobservação por alguns indivíduos ou classes.
3. Ser “elástica e contingente, de acordo com cada situação social específica..”

Embora não esteja escrito formalmente, entendo que os requisitos são cumulativos, i.e., a norma deve atender a todos eles. Evidentemente, tem de haver uma norma sancionada por quem de direito. Parece-me que, a nível de Brasil, esta tarefa não foi ainda completada.
Ficamos na dependência dos autores de gramáticas normativas e trabalhos delas derivados. Podemos sentir a dificuldade que é nortear-se nesse ambiente. Esta “dura luta” advém do fato de que aqueles pilares não estão, em geral, presentes nas bizantinas prescrições que se traçam nelas. As comunidades aqui do Ookut estão prenhes das dúvidas mais curiosas.
O Português brasileiro hoje é um “Latim vulgar” em relação ao que quer ensinar a escola. Sabemos que é Português, e temos orgulho que seja uma grande herança deixada gratuitamente por nosso colonizador. Os morfemas segmentais portugueses estão aqui presentes e queremos que eles continuem. Se eu digo /up+ar/ por /subir/, estou seguindo o código que mamãe me ensinou.
Penso que nosso ensino de padrão culto deve passar por 2 alterações:
1. Como ensinar.
2. O que ensinar.
O triste panorama sentido pelo País afora está a nos dizer que é preciso mudar. Em lugar de xingar os considerados “extremistas”, acho que seria bom ouvi-los e mudar de rumo, antes que nosso Português vire Brasileiro. Por que não podemos ter uma gramática normativa para o Português Brasileiro?
Abraços.

(Altair Malacarne - 27/11/06)


(Textos postados por Edmilson Borret)

Bella & Dracco

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Amigos,

Tínhamos 3 cachorros: Caruso, Bella e Dracco. Caruso e Bella mais erados.
Caruso apresentou uma hepatite galopante. Não teve jeito. Um dia, amanheceu morto. Isto tem uns 4 meses. Dracco era um filhote.
Hoje ele tem uns 8 meses. Ele cresceu. Engrossou. Desceu os ovos. É lindo. Preto azeviche.
Sentindo-se adulto, Dracco começou a rufiar a Bella. Achamos que aquilo era uma brincadeira. Ela reagia com desdém. Ele, baixinho, caía dos lados como uma criança arteira.
O tempo foi passando.
Eis que agora, de repente, o Dracco aparece com uma verga dura e comprida. Insiste em namorar com a Bella, o dia inteiro. Ella, antes arredia, passou a aceitar as mesuras dele. Embora ainda pequeno, ele tenta cobri-la e ella, às vezes, aceita. Outras vezes, senta. Não sei se é porque ella não está na produção ou se é porque ele não alcança. O mais incrível é o galanteio que ele faz seguidamente: pega com a boca a corda amarrada no pescoço della e sai puxando a prenda pelo terreiro afora. Eu comentei com a Maria:
- Espia o Dracco. Só falta beijar a Bella...

- Ele ‘sta certo. Viúvo é quem morre.
Parece que ella gosta da corte. Quando ele está deitado, descansando, ella vai lá e puxa brincadeira com ele. Breve deve ter êxtase.
Como diz o titulo do filme: A vida é bela.

SGP, 30.05.2007.


(Altair Malacarne - 30/05/07)


(Texto postado por Edmilson Borret)

"Galos, noites & quintais"

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Bichos

O galo Branco é terrível. Nunca vi tanta(o) tesão. Ele não pára. Fica ameaçando correr atrás das galinhas, pra ver se emplaca. Se ela correr, ele dá em cima. Até pegar.
Ele está meio suruca, acho que de tanto trepar. Faz até galanteios. Outro dia passou perto de uma galinha e abaixou-se, como elas fazem quando "capitulam". Anda o dia inteiro, até anoitecer. No outro dia, de manhã cedo, é o primeiro a descer do poleiro. E se põe a esperar as fêmeas.
O terreiro tem 7 galos. As galinhas viviam correndo. Aí, a Maria achou que era melhor prender 6, inclusive o Branco. Um dia depois ela foi lá ver como eles estavam.
-Tardeli, tem 3 com o cu todo ferido. O que é isso?
-Tudo preso e sem galinha... Uns vêem o cu do outro e não perdem tempo. É melhor soltar.

O galo branco saiu disparado atrás de uma galinha.
Vai!

(Altair Malacarne - 01/12/06)



O galo manco

Nosso terreiro é uma festa. O dia inteiro. Um corre-corre de galo atrás de galinha, sem parar. Deve ter uns 7 galos e umas 30 galinhas. Elas só se "entregam" quando o danado consegue prender a cabeça dela. O galo Branco faz um "forró". Dá prazer olhar. Vez em quando, um deles canta.
Tem um pobre-coitado que é manco. Ele não consegue alcançar a fêmea. Corre, corre e não pega nenhuma.
Ele "tá" ficando meio doido. Como já assumiu a própria incapacidade, na corrida, se passa perto de outra fêmea, desvia o rumo e corre atrás da outra. Dá pena.
Observa-se que ele vive um drama. Além de ter de agüentar aquela tesão enorme, "sabe" que não conseguirá jamais deixar um descendente.
Natureza infame.

(Altair Malacarne - 06/12/06)



As galinhas da Telma

Amigos,
Depois que desistimos do canil, a minha mulher Telma resolveu tentar novamente criar galinhas. Uma paixão antiga.
Os animais pequenos sempre foram nosso xodó: cachorros, marrecos, galinholas, gatos, canários, sabiás, maitacas, sabiás, sofreus, melros.... um zoológico. Mas, eu nunca pensei que desse tão certo.
Aqui em casa é o topo de um morro e venta muito. Acho que, por isso, não dá doença.
Ela pegou ovos com a Amélia, com a Nina, com a Ivete. Em pouco tempo o antigo canil foi povoado. O Partelli fez umas caponeiras, próprias para criar pintos. O terreiro foi enchendo. Cada dia mais pintos, frangos, frangas, galinhas e galos. Apareceu um galo branco que era terrível: Vivia correndo atrás das galinhas. A Telma ficou com raiva, e matou ele e um galo manco.
Hoje em dia o terreiro é a coisa mais linda. Tem dia de tarde que eu sento na varanda e fico olhando a turma: cada um mais lindo que outro. As penagens são as mais belas e variadas.
Tomamos uma decisão: só vamos abater algum quando vier um filho. E o terreiro continua "crescendo". Comprei 10 sacos de milho em São Mateus e vamos a cada dia nos maravilhando. Parece um sonho acordado.

Abraços galináceos

(Altair Malacarne - 06/06/07)



O ovo

Colegas,
As galinhas estão por toda parte.
Outro dia, uma invadiu a varanda. Subiu num vaso de planta da Telma e fez a maior bagunça. Toda hora saía voando e gritando escandalosamente. Bem perto da janela da biblioteca. Até que se fez o silêncio. Passou a tempestade.
No dia seguinte, quando fui andar em volta da casa, vi o resultado: muita terra do vaso espalhada pela varanda e um ovo lindo colocado sobre a terra do vaso. Fiquei extasiado com aquela cena criadora. Um milagre. Que eu pensei que ia parar por ali. Nem falei nada com a Telma.
Passaram-se os dias. Frios.
Hoje fui dar minhas 5 voltas rotineiras. Não sei por que, levantei a cabeça pra olhar o ovo. Tem 6. A Telma vinha pra falar uma coisa comigo. Me pergunta:
- Altair, 'ocê já viu esse ninho de galinha?
- Coisa mais linda...

- Eu adoro; acho que eu queria ser uma galinha...
- Instinto materno; toda mulher tem.

Continuei caminhando. Freud veio-me à lembrança. Ele disse que o sonho de toda pessoa é voltar pro útero da mãe, o melhor tempo de nossa existência. O útero é o nosso ovo. Voltaremos a esse céu. Voltaremos ao seio da mãe-terra. E aí seremos novamente o ovo que fomos um dia. E o miraculum da vida se renovará.

Abraços

(Altair Malacarne - 20/08/07)



Na oficina

Amigos,
Elas estão por toda parte. Pra botar ovo, elas se espalharam pelo terreiro, varandas, horta, macega, portão de entrada, lavador de roupa, e, agora, em cima da minha mesa na pequena oficina, perto da garagem.
Quando a Telma me falou, eu não acreditei: U'a penosa botando ovo em cima da minha mesa. Era só o que faltava. Não pode ser... É demais...
Hoje ela veio com o ovo na mão:
- Olha aqui. Estava em cima da sua mesa. O indez está lá...
Minha cara foi parar no chão. Perdi o rebolado. Elas dominaram tudo. O espaço é delas. 'Tá tudo dominado. Mas, afinal.... que bom.
Um pinto que morre é um ovo no prato. Frito na manteiga, com polenta, potiado, estalado, na frutalha, pouco sal, mal passado, bem vermelhinho....
Deixa elas botarem. Podem zuar, voar, chocoalhar, cacarejar, cagar, esculhambar... Vocês são lindas. Donas do pedaço. Poderosas. Insuperáveis. Encantadoras. Bonitas. Cheias de tesão. Companheiras resignadas dos galos, aqueles sem-vergonha. Todo dia eles estão correndo atrás de vocês. Sem saberem que não é possível evitar o ovo. Maldito ovo. Bendito ovo. Bendito ovo. Bendito ovo.

Até.

(Altair Malacarne - 05/09/07)


(Textos postados por Edmilson Borret)

1.11.08

Sobre o ato de escrever...

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Escrever é um "milagre"

Fico pensando nos milhares de anos que nós passamos sem a escrita. Fico pensando nos nossos irmãos índios que não desenvolveram nenhum sistema articulado para registrarem sua caminhada. Fico pensando no meu pai, que era completamente analfabeto. Fico pensando em mim, que saí da roça e consegui um espaço confortável na vida. Fico pensando nos milhares que hoje vivem afastados das letras. Fico pensando na capacidade que o homem conseguiu para dominar a partir do discurso escrito. Fico pensando numa civilização cósmica. Sinto que não sou capaz de avaliar com precisão o ambiente bio-social em que vivo. Sei que todo progresso poderá ser alcançado a partir dos conhecimentos sistematizados nos livros e em outras mídias. Sei que agora posso me comunicar com colegas vários espalhados pelo Brasil e pelo mundo. Sei que posso expor minhas idéias à apreciação de muitos.
Tudo isso tem um nome: ESCRITA. Muitos já foram; outros virão. Nossa história ficará registrada pela ESCRITA. A ESCRITA registrará a história de cada um. DO SER HUMANO.

(Altair Malacarne - 16/09/06)


Escrever

Escrever é um milagre. Vou contar uma história.
Quando eu comecei a ir à escola, um dia, eu perguntei a meu pai:
-Pai, o senhor sabe assinar o nome?
-A única letra que sei fazer, meu filho, é o /o/.

-Como?

-Com o cano da "stchopa" (espingarda).

Numa família de 20 filhos, muitos irmãos meus ficaram analfabetos, como seu "Chico". Ele me pedia que eu lesse meus cadernos pra ele escutar. Menti pra ele e falei que queria ser padre. O "velho" era muito religioso. Essas letras tem origem no insondável.
Tchau, COLEGAS. Obrigado a vocês e a quem me ensinou a escrever.

(Altair Malacarne - 23/10/06)



Escrever (II)

Amigos,

Ando escrevendo algumas coisas em tópicos de comunidades aqui do Orkut. Tenho recebido palavras de estímulo. As pessoas dizem que emprego bem os vocábulos. Espero que meus leitores tenham o mesmo prazer que eu tenho quando escuto uma pessoa falar bem. Ou escrever bem. Isto me faz lembrar de meu antigo professor de Literatura. Certa vez ele contou o seguinte.
Ele morava em Vitória (ES). Lá, ele foi assistir a uma palestra de Guimarães Rosa. O grande mestre das palavras disse, mais ou menos, o seguinte:
-As palavras são como notas musicais. Vou escrevendo e sentindo o "som" delas. Se alguma não forma um perfeito "acorde" no conjunto, vou trocando até achar uma que "soa" bem.
Cito como exemplo da atualidade, as poesias musicadas por Chico Buarque. O que se sente nelas é a sonoridade, a grandeza e a plenitude do universo.
Sonho com isso.

(Altair Malacarne - 21/12/2006)



Escrever (III)

Colegas,

Vou dar u'a opinião polêmica, muito pessoal.
Este fato se deve (e o Sílvio tem razão) a uma falha terrível em nossa educação: NÃO SOMOS TREINADOS PARA ESCREVER.
Ao contrário.
Desde os primeiros bancos escolares, somos amedrontados pelas ameaças dos "erros" gramaticais e gráficos que podem "sujar" o nosso texto. Saímos da escola convictos intimamente que É MELHOR NÃO ESCREVER QUE ESCREVER ERRADO. Somos inibidos pelo medo de uma falha formal como se isso fosse um pecado mortal. Somos dominados pela humana preguiça de botar nossas idéias por escrito. PENSAMOS (E ATÉ FALAMOS), MAS NÃO ESCREVEMOS. Somos uma geração de ágrafos.
A terrível gramática nos imobiliza.
Os latinos diziam: VERBA VOLANT, SCRIPTA MANENT (As palavras voam, os escritos ficam). Nossas escolas nos formam para sermos efêmeros, igual aos índios. Só vencemos o medo de falar porque a natureza nos facultou esta nobreza.
Respeitando a divergência, é o que penso.

Abraços por escrito.

(Altair Malacarne - 27/10/08)

(Textos postados por Isabel Goulart)

Lubricidades malacarnianas

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Vagina

A palavra que está no dicionário é boceta. Boceta é uma caixinha. No tempo do rapé, existia a boceta de rapé.
No gostoso português brasileiro, boceta é "buceta", a obra-prima da criação, a mãe da civilização. Por ela se fazem as guerras parciais e as mundiais.
Ninguém resiste a uma "buceta". Alí está a força da fêmea; ali está o poder; ali está a visão mais encantadora e prazerosa do mundo. Ali está o início e o fim da criação. Tudo se concentra ali; tudo se resume ali. Ali cessa todo o canto antigo, toda indiferença, toda passividade, toda moleza, toda carência, toda fraqueza, toda falta de interesse; ela quebra toda resistência, toda doutrina, todos avisos, todas ameaças, todas contrariedades, todas as ansiedades, todas as dores, todos os sons, todas as cores, todos os odores, todos os sabores. Numa 'buceta' o macho se dobra, se entrega, se escraviza, se anula. O macho lambe ela, cheira ela, olha ela, possui ela, morre nela, deita nela, dorme nela...
OBRA-PRIMA DA CRIAÇÃO. SÓ UM MILAGRE PODE EXPLICÁ-LA.

(Alatair Malacarne - 02/07/08)



A primeira punheta



Cheguei no seminário salesiano de Boa Esperança com 13 anos. Durante o ano de 1953, eu alcancei a puberdade. Foi uma delivrance.
Na roça, em São Domingos, eu tinha visto os adolescentes batendo punheta, durante o tempo em que tomavam banho no açude que meu pai tinha feito para construir a usina elétrica. Era um momento de felicidade, em que eles riam e gritavam. Depois de alguns momentos friccionando o "pau" duro, saía dele um líquido leitoso e denso. Era o "gozo".
Naquele dia, eu entrei num banheiro coletivo. Estava sentindo uma coceira diferente no cacete. A curiosidade subiu. Foi só entrar e ele ficou duro. Comecei a fazer igual aos meninos faziam no banho. Meu corpo foi invadido por uma sensação de prazer imenso. Por uns instantes fui invadido por um momento de sublimação avassaladora. Tudo sumiu. O mundo foi só eu e a elevação, o "gozo".
Depois fui doutrinado a evitar o onanismo. Era um "pecado mortal".

(Altair Malacarne - 05/07/2008)


Os cabelinhos

A chegada da puberdade causou u'a revolução em mim.
Além da primeira "tiriba", a voz começou a engrossar, espinhas pela cara toda, ser sempre do-contra, insatisfação comigo mesmo, dúvidas e mais dúvidas, sonhos eróticos com polução todo dia, desejo de ficar só, descoberta do próprio corpo e...
uns cabelinhos que começaram a aparecer.
No rosto (tive que comprar u'a gilete), no peito (a maminha ficou dura) e no "piru". Eles cresciam cada vez mais, se soltavam, cheiravam a xixi. Os padres diziam que não devíamos olhar pra eles, devíamos ignorá-los. Eu os achava (e acho) tão bonitos. Não sei por que os humanos teimam em raspá-los do órgãos sexuais. Foi exatamente ali que a Mente se esmerou por demais. O cabelinho sexual retém o perfume de cada um ser criado. E este cheiro é tão pessoal que marca a individualidade de cada um e serve de força de atração entre o casal quando se apresenta devidamente asseado. O beijo do parceiro no dom sexual do amante é a consumação maior que pode alcançar a intimidade. O beijo na boca é a porta de entrada para um acontecimento maior.
Muitos anos depois eu viria entender por que se recriminava tanto no seminário aqueles cabelinhos divinos: era porque lá não se sabia da existência do amor. A idéia do pecado contaminava o sexo. Tínhamos que ser iguais aos anjos: sem sexo e... sem cabelinhos.

(Altair Malacarne - 18/07/2008)

(Textos postados por Isabel Goulart)

As moças...

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("Mundo das prostitutas" - Pedro Miguel Silva)


As "protiputas" chegaram

A conquista do Acre está sendo contada pela minissérie Amazônia da TV Globo. Ontem assistimos a uma passagem interessante. Um coronel seringalista manda vir de Manaus um barco de prostitutas. Pode-se imaginar o rebu causado entre os seringueiros. O acontecimento foi acompanhado de muita festa, música, dinheiro e... sexo. Sem considerar os aspectos sociais que envolveram os fatos, fica evidente que uma grande obra é fruto de parceria entre machos e fêmeas. A história é uma prova eterna dessa verdade.

(Altair Malacarne - 10/01/2007)


Paula

Amigos,

Uma vez eu fui a Vitória. O puteiro ficava na rua Thiers Veloso, onde hoje é a sede da Rede Gazeta.
Naquele ambiente, a Paula me chamou a atenção. Baixinha, cheinha, sorridente. Não tive dúvidas. Logo, logo achamos um quarto naquele pardieiro.
Geralmente, as putas não conversam. Buscam logo os "finalmente".
A Paulinha começou a conversar comigo. Ela queria me botar à vontade antes de me dar. Ficamos pelados em cima da cama um longo tempo, trocando palavras. Só depois de muita troca de informações, fizemos sexo. E foi gostoso. Eu senti que somos mais que animais irracionais.
Ficou na lembrança.

(Altair Malacarne - 03/04/2007)


(Textos postados por Isabel Goulart)

Aprendendo e ensinando...

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1º dia de aula

Amigos,

Em 1949, chegou meu 1° dia de aula. Me lavei na água do córrego da Mula, botei a melhor roupa, peguei a bolsa de pano com um lápis e uma cartilha (comprada na venda do Atílio Colnago) e lá fomos eu e meu irmão Chiquim pro Grupo Escolar na rua de São Domingos (do Norte). Descalços, andamos um bom pedaço de chão, juntamente com as meninas da velha Peroni.
Quanto menino. Tudo estranho. Não conseguíamos nem conversar. A escola ficava onde é hoje o Incaper. Mas, às 7.00h, formamos uma fila dupla. Cantamos o Hino Nacional e entramos em silêncio.
Lá dentro, vi minha 1ª professora: Da. Nila Romanelli, de Fundão(ES). Ela logo passou a ensinar o ASA/EMA num quadro de madeira. Falou que teríamos de arrumar um caderno de caligrafia. Deu vontade de mijar. Com muita vergonha, pedi pra ir no quartim. Pela 1ª vez, vi um vaso sanitário.
Veio o recreio. Começamos a nos conhecer. Foi meia hora de folga. Depois voltamos pra sala. Já surgiram algumas conversinhas. Mais lições da cartilha. Olhávamos as letras e ficávamos pensando se um dia conseguiríamos copiá-las.
Chegou o final da aula. Em silêncio, saí daquele prédio novo e bonito como se estivesse saindo de uma igreja. Voltei pra barra do córrego da Mula. Voltei pra roça. Naquele dia eu tinha tido meu primeiro contato com as letras. Letras que mudariam por completo o rumo da minha vida. Que se tornou bem mais útil e agradável.


SGP, 27.06.2007

(Altair Malacarne - 27/06/2007)


Colégio Conde de Linhares

Agora fiquei triste. Eu não sabia que o Colégio Conde de Linhares está fechado, há 2 anos. Que notícia terrível. De repente passou um filme na minha cabeça. Eu lecionei lá de 1964 a 1972. Foram anos gloriosos. Como foi bom... Era um endereço feliz. Aulas de manhã, à tarde e à noite. Mais de 1.000 alunos. Os professores éramos bancários, advogados, médicos, empresários. Me lembro de muitos alunos que hoje são amigos meus de Orkut, todos bem encaminhados na vida. Na entrevista falou meu ex-aluno Caetano Bravim, hoje professor. Lamentou igual minha mulher. Diz ela que desde lá já me "via", enquanto fazia o Curso Normal. O Diretor da época era o Dr. Dirceu João Pagani. O Colégio tinha uma Banda Marcial que desfilava todo ano à frente dos alunos na Festa de Colatina. Não dá pra continuar. Termino dizendo que agora vejo que muitos amigos têm razão: O ensino público entrou num processo de "salve-se quem puder". Sylvio Vitali sempre me dizia que os governos não têm interesse na educação do povo. Ao que parece, ele tem razão.

(Altair Malacarne - 25/05/2007)


Eu o "Conde"



Nos anos iniciais da década de 1960, eu lecionava em São Domingos (do Norte). Foi quando saiu a notícia de que a Rodovia do Café (Colatina/Barra de São Francisco) seria asfaltada. Como morador do trecho, eu vibrei de alegria: Não mais buracos, poeira e lama.
No dia aprazado, peguei minha bicicleta e rumei para o distrito de Frechiani, onde ficariam as máquinas da empreiteira. O governador do estado era Carlos Lindemberg. Depois de meter o pau no sofrível Francisco de Lacerda Aguiar (Chiquinho, o governador anterior), num discurso inflamado, ele citou que estava trazendo 2 grandes obras para Colatina: aquele asfalto e um novo grande colégio.
Em 1964, eu comecei a dar aulas no grande colégio, o CONDE DE LINHARES. Fiquei ali até 1972, quando passei a trabalhar em tempo integral no Banco do Brasil. Ficava até acanhado no meio de tanto professor catedrático. Advogados, médicos, contadores, bancários, profissionais liberais, poetas. O corpo docente era formado por uma plêiade notável. Os alunos eram aplicados e distintos. Saíam dali e passavam em vestibulares do Rio e Vitória sem fazer cursinho (não existiam). Outros passavam em concursos de alto valor. O "Conde" era o endereço onde estavam as melhores cabeças, os melhores corpos docente e discente. A educação trocou a qualidade pela quantidade nos anos 1970. Um dia fui lá dar uma aula de favor para um colega. Fiquei com pena dos meninos. Como se pode chegar a tal desnível? Às vezes chego a pensar que tenha sido melhor fechar mesmo. Mas, em nome da dignidade, eu torço para que ele reabra. E reabra com a qualidade antiga, porque a sociedade merece.
Abraços a todos.

(Altair Malacarne - 31/10/2008)


(Textos postados por Isabel Goulart)


Camioneiros

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Amigos,

Os primeiros caminhões por aqui eram importados, pequenos, movidos a gasolina. Lembro-me de algumas marcas: FARGO, FORD, DODGE, CHEVROLET, NASH, STUDEBAKER, DIAMOND, INTERNATIONAL, BEDFORD, VOLVO(a gasolina), DE SOTO, CHRYSLER, GMC, FEDERAL, MACK, SUPER-WHITE. Havia uns poucos com motor Diesel: BUSSING, BERLIET, MERCEDES-BENZ. Geralmente o pessoal tirava o motor a Diesel e botava um a gasolina, que era boa, barata e mais fácil de encontrar. Embora não houvesse posto, ela vinha em tambores de 200 litros e era vendida no meio da rua. Os primeiros camioneiros eram donos de comércio, geralmente de café. Os carrinhos carregavam no máximo 120 sacas de café pilado, uma façanha. Levavam para Colatina, onde o produto era vendido. Na volta, traziam pongueiros, conhecidos e desconhecidos. As mulheres vinham na boléia. Era muito comum algum quebrar na estrada e ficar ali uns 30 dias esperando peça. Alguns socorros eram companhia do motorista: "chicão", lona, corrente pra barro, enxada, bomba de encher pneu, alavanca, "macuco", lata de pegar água, e a indefectível manícula para os mais velhos, já que não tinham motor-de-arranque. O camioneiro era conhecido. Ele levava doentes, trazia remédios, comprava sal e mantimentos, botava carta no correio, carregava eleitores, cartas-de-amor, recados, embaixadas de futebol, o padre, as "piranhas". Não raro, era chamado para apartar desafetos e resolver confusões. No povoado que crescia, ele era uma autoridade. São Gabriel da Palha promove agora mais uma Festa do Camioneiro. É hora de homenagear os primeiros moradores que se destacaram nesta atividade. Em nome de um passado hoje tão presente e pujante. Em meu livro da história da origem da Cidade eu cito os 2 primeiros: Eduardo Glazar e um tal de Lulu. E um camioneiro de Colatina, Heitor Alencar, botou a primeira linha de ônibus entre São Gabriel da Palha e aquela cidade.


(Altair Malacarne - 11/09/2007)

(Texto postado por Isabel Goulart)

"A alma de Altair rescende a terra molhada"

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Chuva


Amigos,

Ela sempre vem quando está chegando o final do ano. As frentes frias, vindas do pólo Sul tomam maior impulso e vêm até o Espírito Santo, causando mudanças bruscas de temperatura.
Às vezes, elas se encontram com outras que vêm dos Andes e aí ocorrem precipitações intensas por aqui. Demoram sobre nosso Estadinho, antes de caminharem pro oceano. Como zona de convergência, ficamos sujeitos às intempéries.
Como agora. A BR 101 está invadida pelas águas do rio São Mateus. O rio Doce toma as margens em Colatina e Linhares. Cidadezinhas do interior do Estado estão em calamidade. Os plantadores de eucalipto trabalharam hoje debaixo de chuva.
O céu, no entanto, ficou verde. Com as chuvas, apareceu u'a manada de papagaios. Fazia uns 50 anos que eu não os via mais. Eles voam 'gritantes' entre os restos de matas que sobraram. Fazem uma 'festa' na selva. Acho que estão namorando.

(Altair Malacarne - 14/12/2006)




Ela voltou

Amigos,

Uns mais, outros menos, todos estamos ligados a um fenômeno periódico e constante que se apresenta em nossa vida: a chuva. Aquela água doce que cai em forma de pingos em cima das terras e tudo o mais que está sobre elas a descoberto em nosso meio-ambiente. Às vezes suaves, às vezes torrenciais, essas precipitações sempre causam alterações na paisagem.
Depois de uma estiagem aproximada de 4 meses, a chuva voltou por aqui. No início bem pequena e discreta, foi crescendo na força e no tempo de queda, chegando mesmo a escorrer sobre a terra em alguns lugares. Uma cena incrível, milagrosa. Aquele cheiro de terra molhada, aquele vento alegre.
O cafezal ‘florou’ bonito, a pastaria ficou verde, o papagaio enrolou o canto, a mata riu, a mangueira prometeu fruta, o agricultor bateu a enxada e correu no preparo da terra, as máquinas saíram do galpão, o tomate baixou de preço, o meeiro tomou uma pinga dobrada e foi esperar a mulher mais cedo no quarto, os passarinhos puseram ovos em seus ninhos, uma festa aconteceu em toda natureza.

Uma vez eu fui reclamar com o Cleto porque a chuva tinha sumido, estava tudo muito seco e triste. Ele disse me olhando nos olhos:
- Ela está cada vez mais perto. Ela está voltando.
Esta é uma certeza absoluta que se pode comprovar todo ano: Ela voltou.


(Altair Malacarne - 07/09/2007)


(Textos postados por Isabel Goulart)

29.10.08

"Altair tem a língua da mata, dos bichos, dos homens..."

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Papagaios



Amigos,
Hoje eu revivi minha infância. Um bando de papagaios fez o maior barulho na mata. Era uma "vozeirada" incrível. Parecia que a mata tinha ficado mais verde. Fui dominado pelas lembranças do passado.
A palavra era difícil de falar. Eu dizia "pagagaio". Os adultos me corrigiam.
Depois fui pra escola. Lá aprendi que quem troca "lh" po "i" é caipira. Me deram como exemplo "gaio" por /galho/. Fiz logo a super-correção: "papagalho". Após um bom tempo, descubro que é PAPAGAIO mesmo. Espero que fique assim.
A imagem não mudará. Verde, de cabeça vermelha ou amarela, festivo. Às vezes fala, dança, presta atenção em tudo, adora uma chuva. Testemunha insuspeita de traições sexuais. Ou das fraquezas humanas tão comuns.
Os padres do seminário me contaram uma história interessante. Um romano puxa-saco lutou longamente para ensinar um papagaio a falar "AVE CAESAR". No início, o bicho não quis falar. O romano dizia desanimado: "Operam totam me perdidit" (Perdi todo o meu trabalho). Mas, por fim o "verdinho" falou. O cara foi ao palácio mostrar a façanha ao imperador.
Reunida a corte para a solene apresentação, o papagaio falou:
-"OPERAM TOTAM ME PERDIDIT".

(Altair Malacarne - 08/12/06)


Saíras


Penduramos um cacho de bananas num pé de teca, pertinho da varanda.
A intenção era atrair o sofrê. Ele é um passarinho arisco, de u'a beleza incrível. Todo preto com u'a mancha alaranjada dos lados. E tem um canto que "machuca" a gente. Não sei se é porque eles estão na época de namoro.... Emitem trinados e assovios fantásticos, arrebatadores.
Aconteceu, no entanto, u'a coisa inesperada.
Por aqui tem uma avezinha chamada SAÍRA, também de u'a beleza espetacular. Elas têm umas penas verde-metálico e quando voam, aparece sobre as asas um fundo amarelo-encarnado, num contraste que lembra o verde-amarelo do Brasil. O dicionário HOUAISS dá seguinte acepção:

SAÍRA {verbete} Datação 1898 cf. DHPT Acepções ■ "substantivo feminino Rubrica: ornitologia. Regionalismo: Brasil. 1 design. comum a várias aves passeriformes, da fam. dos emberizídeos, subfam. dos traupíneos, esp. as do gên. Tangara, com cerca de 50 spp., abundantes na América do Sul, que possuem plumagem ger. colorida e brilhante com dimorfismo sexual; saí, saixê, tem-tem 2 m.q. gavião-relógio (Micrastur semitorquatus) Etimologia no DHPT, tupi sa'ira 'm.q. 2saí'; Nasc. considera f. desnasalada do tupi sa'i 'rã (< 'rana) 'semelhante ao 2saí'; f.hist. 1898 sayra."

Elas estavam sumidas daqui.
De repente voltaram. Um bando. Umas 8. Se juntaram no cacho de banana. Produziram uma cena luminosa. Parecia um jogo de luzes numa ribalta. U'a maravilha. Nem se lembra que o canto delas é um pio muito pífio. Nem se lembra do sofrê. Elas fazem uma aura em volta da fruta e só voam quando chega a perigosa sabiá.

Enquanto se ouve o canto inebriante do sofrê nas alturas, olha-se o espetáculo das saíras em volta do cacho de bananas. Já tem outro cacho madurando.

(Altair Malacarne - 23/08/07)


Caga-sebo

DICIONÁRIO HOUAISS
"Substantivo masculino 1 Rubrica: ornitologia. Regionalismo: Brasil. design. comum e imprecisa de diversas aves passeriformes de proporções diminutas, que o povo do interior não dá importância e não diferencia; caga-sebinho, caga-sebite, caga-sebito, sebinho, sebite, sebito 2 Rubrica: ornitologia. Regionalismo: Brasil. m.q. cambacica (Coereba flaveola)”


Parece um gaturamo, mas é menor e não canta igual. É menor. Entretanto, tem o dorso preto-azeviche e o peito amarelo-ouro igual à goipaba(gaipapa), fêmea do gaturamo. E o canto deles é um trinadozinho reles e insípido. O gaturamo sim, é um passarinho polivalente no canto: ele faz um pot-pourri das melodias de outros pássaros, produzindo uma fonia policrômica.
O que me chamou a atenção hoje cedo, aliás, já vem me chamando há dias, é o ninho deles.
Eles fazem o ninho pendurado numa haste dobrada de um pé de graxa(hibisco). Ele enlaça a ponta da haste, prendendo-se nos apêndices do ramo. É construído com cabelos, chumaços e gravetinhos. Fica pendurado. Tem a forma de um cone de 30 cm de comprimento e um rodo máximo de 10 cm. Na parte superior ele tem, incrível, um toldo cobrindo a entrada. Quando a Telma me falou, tive que olhar para acreditar. Dessa forma, o leito fica totalmente protegido das intempéries. E eles podem criar seus filhotes com a segurança da sua miraculosa criação.
Eram 9.00 hs. Ele(ou ela) vinha com uma coisinha no bico, pousava a 1 metro de distância e depois voava até o ninho. Entrava, ficava lá dentro alguns segundos e saía voando à procura de mais algum badulaquezinho. Isto durou uns 30 m. Aí chegou na vizinhança a polvorosa sabiá e o bichinho sumiu.
Amanhã eu vou ver ele de novo.

(Altair Malacarne - 27/08/07)


Sofrê

Amigos,
SOFREU. Também é conhecido pelos nomes de sofrê ou corrupião. Hoje eu vi 2: um na beirada do rio Barra-Seca e outro aqui em casa. Ele é todo amarelo, pouco menor que um tigê. Segundo o dicionarista A. Nascentes, o nome dele vem de seus canto, que lembra um grito de sofrimento. O passarinho é lindo. Lembro-me que a Gabriela, do livro Gabriela, cravo e canela, subiu num telhado para pegar um.
Fico imaginando "o que não havia" de fauna quando nossas matas ainda existiam... Ontem eu estava andando em volta da casa, quando escutei um. O seu canto logo chama a atenção.
Ele consta de 2 notas bem distantes, bem contrastantes. Elas são extremas como as cores de sua penas.
Um preto azeviche ao lado de um amarelo-abóbora chamam e prendem nossa visão. Lembram um antigo pássaro de nome japim (inhapim), que existia por aqui. Só que o inhapim exibe um amarelo-ouro ligeiro e pouco evidente num corpo todo preto. No sofreu há um campo equivalente nas cores.
A canto dele é repetitivo e envolvente como o tucano.
Se as 2 notas fossem simultâneas produziriam um acorde talvez dissonante, mas bem característico. Tão marcantes que, junto às cores das plumas, são capazes de tornar a ave um tesouro a ser conservado.

(Altair Malacarne - 31/08/07)


Sofrê (II)

Amigos,


FAUNA Família: Emberizidae Subfamília: Icterinae Espécie: Icterus jamacaii Comprimento: 23 cm. Encontrado exclusivamente no Brasil, do leste do Pará, Maranhão, Ceará e Pernambuco estendendo-se para o oeste até Goiás, e para o sul até Bahia e Minas Gerais. É comum em áreas da caatinga e zonas secas abertas, onde pousa em cactáceas, e também em bordas de florestas e clareiras, nos locais mais úmidos. A espécie chegou ao leste do Pará apenas recentemente, a partir do Maranhão, beneficiada pelo desmatamento. Vive aos pares, alimentando-se a várias alturas, com preferência para a vegetação mais baixa. Não costuma acompanhar bandos mistos de aves. Seu canto é melodioso, sendo bastante apreciado como pássaro de estimação. Raramente constrói seu próprio ninho. Durante a reprodução costuma ocupar os ninhos do casaca-de-couro, joão-de-pau, japiim, bem-te-vi e joão-de-barro. Conhecido também como corrupião e concriz.

(Alatir Malacarne - 03/09/07)


Nidificação


Amigos,
Ontem ele não veio. Hoje vieram dois. O canto deles estava diferente. Uma hora baixinho, de repente volumoso.
Eu estava tentando ver um, mas não conseguia. Só ouvia aquele canto mavioso. Agora com trinados novos, encantadores.
De repente, passou um voando e entrou no pé de carambola. Em seguida veio outro e também sumiu lá dentro. Então, ou ouvi u'a melodia incrível. Puro encantameto. Pensei: Aquilo é namoro. O momento foi mais um sublime êxtase da criação.
Perguntei ao Waldecir:
- Lá na sua casa tem?
- Tem demais. Eles estão se reproduzindo.

- Onde é o ninho deles?

- Eles não fazem ninho, não. Estão ninhando onde foi um ninho do "João Graveto".

Caprichosa a nossa natureza. A cada momento ela nos ensina que os seres vivos somos todos irmãos.

(Altair Malacarne - 03/09/07)


Caga-sebo (II)

Nasceram dois. Discretamente. Não fazem barulho. A gente não nota.
O sebinho é um passarim muito escondido. Dá impressão que sumiu, desapareceu.
Ontem, só com muito cuidado, eu vi que tinha dois perto do ninho. Fiquei observando e vi quando um voou até o "picuazinho" e voltou, sem entrar. Depois veio outro e fez a mesma coisa: NÃO ENTROU.
Olhei melhor e notei que eles traziam alguma coisa no bico. E realizavam a mesma obra: Voavam até o ninho pendurado e voltavam, sem entrar. Chamei a Telma e falei com ela:
- Eu acho que a entrada do 'saquinho' está trancada e eles não conseguem entrar para chocar os ovos.
A Telma veio, pegou o ninho com a mão e... surpresa:
- 2 filhotes.
Maravilha. O milagre da vida se fez. Ficamos sem saber o que falar.
Passado algum tempo, eu reparei um detalhe: aquela "coisinha" que eles traziam no bico sumia depois que pousavam na porta do ninho. Quando retornavam, voltavam sem a carguinha. Comecei a me perguntar: Como se explica isso?
Depois de um tempo, achei a explicação: aquilo é comida pros filhotes. Eles chegam na porta de entrada, agora sempre aberta, abrem o bico e a ração cai perto dos filhotes. Estes dispõem de pequeníssimo espaço, reservado só pra eles.
Hoje havia só um na vizinhança do ninho. Experimentei elevar a bengala até o aconchego. O bichinho virou um avião de combate. Deu um rasante tentando proteger, protegendo as crias. Afastei-me arrependido.
Neste mundo magnífico da criação, aprendi a ter reverência a cada companheiro de jornada. Penso que sou superior a eles. Será?

Abraços

(Altair Malacarne - 05/10/07)



Sofrê (III)

Todo ano, esta época, o sofrê volta.
Após um período de hibernação, junto com as águas, um pouco antes, os casais aparecem. No início timidamente. parece que com medo de atingir a gente com seu canto profundo. Aos poucos vão aparecendo, com suas penas fortíssimas e seus vôos curtos, rápidos e rasantes. Parece que estão procurando algo. Vão voando um vôo vivo, vivificante, variado, vistoso. Quando tem u'mamão maduro, ou banana, eles fazem u'a rápida parada num galho, sempre às escondidas, discretos, mas sempre se virando pra lá e pra cá, cantando. Cantando seu canto cativante, carinhoso. castiço, calmante, criativo, incrível.
Tenho a impressão de que eles estão procurando um lugar fresco e iluminado pra procriar. Um lugar seguro, onde o ninho deles não esteja sujeito à sanha de algum gavião. Acho que é por isso que sempre nidificam lá embaixo, na moita de bambu. Perto tem água e gente morando. No meio do bambuzal é seguro, escondido. Lá embaixo não descem os predadores, sempre dispostos a seguir rigorosamente o princípio da cadeia alimentar. Ali eles podem exercitar livremente os cantos especiais de mãe e pai. Encontram já prontos e vazios os ninhos dos guaxos e aproveitam. Fazem aquilo que a Inteligência mandou.
Como disse Guimarães Rosa ao ver os quero-queros: É o amor.

(Altair Malacarne - 12/08/08)


Acasalamento

A primavera é a época em que caem as chuvas mais fortes e abundantes em nossa semi-nordestina região. As represas e os córregos se enchem. O mato efêmero brota. Fica tudo verde. Vêm frentes frias do pólo sul e dos Andes. Às vezes acontece um milagre: Chove mansinho durante u’a semana. É quase um orgasmo.


Nessa época, o ar se enche de cantos de aves especiais: o sofrê e a sabiá. Eles estavam amoitados, escondidos. Apareceram assim que o frio foi embora. Começaram a cantar seus cantos chamativos, que parecem estar procurando despertar a admiração de alguém. Não sei se é a fêmea ou o macho que pratica esse encantamento. A melodia se repete no transcorrer do dia e parece cada vez mais bonita.
Sabemos a que ela se destina. É um sinal atrativo de um parceiro chamando outro para o namoro. O ninho estará sendo cuidado para receber o casal. A sobrevivência das espécies será garantida pelo cumprimento da lei da criação. O ser humano tem a voz e a palavra no relacionamento com o semelhante. Essas aves usam também a voz para modularem sons de apelo ao convívio íntimo. Tudo é feito de acordo com uma vontade inteligente.

(Altair Malacarne - 06/10/08)


Sabiá

Colegas,
Uma sabiá lá fora insiste em começar o seu canto, modulando tons variados, em escalas diversas, sem dar seqüência ao seu intróito. Ela não sabe que eu estou aqui na maior angústia, doido pra ouvir o restante de sua sinfonia; que nunca vem. A melodia fica só no início.
Mistério da criação: Muita beleza aparece só numa ponta. A gente fica na vontade de puxar o véu e 'ver' o restante, o que está velado, o total, o infinito. Parece que temos dentro de nós essa vontade de ser deuses, saber o que ninguém sabe, ouvir o que ninguém ouviu. estar aonde ninguém esteve. Vivemos querendo mais, desejando o impossível, sonhando com o gozo infinito, eterno, prazer total.
E, no entanto, somos mortais. Tudo que nasce morre. Quem entrou tem que sair.
A sabiá não sabe que despertou em mim esse desejo de prazer eterno, infinito, capaz de me satisfazer plenamente enquanto ele durar. E eu queria que ele durasse eternamente.
Sabiá, eu sei que você cumpriu um desígnio da criação. Como eu gostaria de saber de onde você veio...

(Altair Malacarne - 14/10/08)


(Textos postados por Edmilson Borret)

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